Cartões
de crédito: endividamento das famílias é apontado como um dos fatores
que podem frear consumo Leia mais sobre esse assunto em
http://oglobo.globo.com/economia/consumo-das-familias-deve-se-manter-fraco-nos-proximos-meses-9847123#ixzz2e72iQDvd
(Foto: David Paul Morris/Bloomberg News)
O consumo interno, que desacelerou fortemente no primeiro
semestre, deve se manter fraco nos próximos meses e contribuir bem pouco
para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de riquezas e
serviços produzidos no país) este ano. Após a inflação corroer o poder
de compra no início do ano, o efeito das altas dos juros sobre o crédito
e do dólar sobre os preços dos importados é obstáculo à retomada da
demanda doméstica neste semestre e em parte de 2014, afetando o
desempenho do PIB.
A ata da última reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom), no fim do mês, que foi divulgada na quinta-feira,
mostra que a alta de juros, que afeta diretamente o poder de consumo das
famílias, vai continuar. E a política fiscal, que era considerada
expansionista pelo Comitê até a última reunião, passou a ter efeito
neutro na inflação na avaliação do BC, o que também representa menos
estímulos na economia.
Política vigilanteSegundo
a ata do Copom, “a política monetária deve se manter especialmente
vigilante, de modo a minimizar riscos de que níveis elevados de
inflação, como o observado nos últimos 12 meses, persistam no horizonte
relevante”. Mas o que chamou a atenção dos analistas no documento foi a
constatação do Banco Central de que a política fiscal não é mais
expansionista e deve se deslocar para “a zona de neutralidade”. Esse
tipo de consideração indica que o BC teria decidido encampar o discurso
do Ministério da Fazenda de que a política fiscal do governo é neutra.
—
A inflação está caindo, mas o juros vão continuar subindo, e o câmbio
também joga contra, na medida em que encarece os importados. Assim, o
consumo das famílias, que puxou o crescimento da economia nos últimos
anos, não vai ser o motor de nada este ano, pois vai ter crescimento
muito fraco — diz Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian.
Desde
2009, com exceção de 2011, o consumo das famílias vinha crescendo a um
ritmo superior ao do PIB — avançou 7,2% em 2009, 6,8% em 2010, 2% em
2011 e 3,6% no ano passado —, levando a um endividamento maior dos
consumidores e à alta da inadimplência. Nos primeiros seis meses,
contudo, a expansão do consumo foi de modesto 0,3%.
— Como a
capacidade de endividamento depende de um crescimento maior do PIB,
ocorre agora uma acomodação no consumo, que se reflete na desaceleração
do crédito, especialmente entre os bancos privados, mesmo com a
inadimplência ainda caindo lentamente — diz Paulo Levy, pesquisador do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
De acordo com a
Serasa Experian, as linhas que mais cresceram de janeiro a junho foram
as do cheque especial e do cartão de crédito, geralmente usadas para
pagar dívidas. Ao contrário de 2012, quando os financiamentos ao consumo
puxaram as operações. Dados do BC mostram que as dívidas com consumo,
que comprometiam 30,5% da renda das famílias, caíram ligeiramente, para
30,4% em junho. O endividamento total, que contempla também dívidas
imobiliárias, passou de 43,4% para 44,8%.
— O crédito pouco contribuiu para o consumo, porque a inflação bagunçou o orçamento das famílias — diz Rabi.
Como
os ciclos de alta da Selic somente se refletem sobre a inadimplência
com uma defasagem de seis a nove meses, a Serasa Experian estima que a
partir do fim do ano os índices que medem o nível do calote na economia
voltem a subir. Em julho, último dado disponível no BC, a inadimplência
nos bancos atingia 7,2% das operações, mesmo nível de junho.
Impactos na confiança do consumidorAntonio
Madeira, economista da LCA Consultores, observa que, embora a inflação
esteja mais controlada, os altos níveis observados até julho impactaram a
confiança do consumidor e por isso vão se refletir no ritmo do consumo
até o fim do ano. A estabilização na criação de postos de trabalho, o
crédito mais caro por causa do juro maior e o nível de endividamento das
famílias também contribuem para o esfriamento.
— No geral,
aquele forte fluxo de consumo que vimos não vai se repetir. Neste ano, o
que deve colaborar mais com o resultado do PIB é o investimento
empresarial — diz o economista da LCA, cuja projeção de 3,5% para o PIB
feita em janeiro foi revista para 2,6%.
Economista-chefe da MB
Associados, Sérgio Vale também trabalha com uma perspectiva de
crescimento do consumo bem menor que nos últimos anos. Segundo ele, além
do impulso que vinha da forte expansão do mercado de trabalho nos
últimos anos, inflação elevada, em torno de 6%, assusta o consumidor.
—
O câmbio ainda será um peso, especialmente no Natal, além dos juros,
que tendem a desacelerar a economia igualmente. Juntando todos os
pontos, o cenário é de um crescimento menor ainda em 2014, e isso vale
para o consumo.
Levy, do Ipea, vê um bom sinal no fato de que,
nos quatro trimestres terminados em junho, houve mais equilíbrio entre o
consumo e o nível de crescimento da economia: enquanto a demanda
cresceu a um ritmo de 0,5% ao trimestre, o PIB avançou a 0,8%, em média.
—
Se o país for capaz de sustentar esse nível de crescimento, por outros
fatores que não o consumo, melhor. O novo elemento nesse processo são os
investimentos, que saltaram 9% no primeiro semestre. Aí teremos uma
composição mais sustentável para o crescimento da economia nos próximos
anos — diz.
A tese de que mais consumo, por si só, induz a novos
investimentos, que fundamentou as políticas do governo de incentivo ao
crédito e de desonerações, não se confirmou, diz Alessandra Ribeiro,
economista especializada em consumo da Tendências Consultoria.
Ata aponta pressão do câmbioO
Copom também destacou que a depreciação cambial dos últimos trimestres
"constitui fonte de pressão inflacionária em prazos mais curtos" e que
"os efeitos secundários dela decorrentes, e que tenderiam a se
materializar em prazos mais longos, podem e devem ser limitados pela
adequada condução da política monetária". Na visão do BC, a alta da
inflação continuará a ser um desafio até o segundo trimestre de 2015,
período em que o IPCA seguirá acima do centro da meta de 4,5%.
O
cenário internacional permanece complexo, na visão do Copom, apesar de
ser identificada baixa probabilidade de ocorrência de eventos extremos
nos mercados financeiros. “Há avanços localizados nas economias
maduras", diz a ata. “Em importantes economias emergentes, o ritmo de
atividade não tem correspondido às expectativas, em que pese a
resiliência da demanda doméstica”.
Fonte: O Globo