segunda-feira, 2 de julho de 2012

Rezadeiras promovem a cura pela fé nos postos de saúde

Já imaginou ir a uma unidade hospitalar básica e, além da receita médica, receber também a indicação de procurar uma rezadeira? Se isso pode parecer estranho para alguns, já é, no entanto, rotina no Centro de Saúde da Família (CSF) Rebouças Macambira, no Jardim Guanabara, em Fortaleza. No local, um grupo de quatro ´curandeiras´ se revezam, todas as terças e quintas-feiras, para tentar levar a cura através da imposição das mãos, do poder da fé e das raízes. É o desafio diário de unir o saber médico ´oficial´ com a tradição da reza.

Ainda presentes, mas, muitas vezes restritas ainda às periferias da Capital, as rezadeiras sobrevivem prometendo o fim de enfermidades como o ´mal olhado´, a febre repentina, a desinteria que não cessa, a temida ´espinhela caída´, doenças de pele, mazelas do corpo e até da alma.

Com o olhar bem sereno e as mãos próximas ao coração, a rezadeira Raimunda Gomes da Silva, 67, recebe sua primeira paciente do dia no Posto de Saúde do Jardim Guanabara: a pequena Lívia Rodrigues, 5. A menina tem tido constantes quedas de cabelo. O motivo disso? Nenhum médico descobriu, relata a mãe, a doméstica Lidiane Costa, 29. Elas vão na fé de que a ´curandeira´ possa ajudar a menina. A ideia é unir pomadas e cremes ao poder que emana das palavras e gestos da rezadeira.

A senhora Raimunda Gomes impõe as mãos, fecha os olhos e diz oferecer suas melhores energias. Não usa galhos e ramalhetes, apenas dizeres. "Eu faço isso há mais de 40 anos e vejo as pessoas saírem melhor, bem mais calmas. De mim só emana amor. Unindo a espiritualidade com os medicamentos sei que os doentes podem ficar bons", diz.

A fila para o atendimento espiritual é grande. Alice Maria Mesquita, 42, doméstica, leva o garoto, de apenas quatro anos, para rezar. O menino apresenta quadro de desinteria há dias. Tudo muito repentino e aparentemente sem motivos. Prato cheio para a reza. Será o tal do ´ventre caído´, um susto que ele tomou?

A rezadeira Rosa Ferreira da Silva, 86, oferece apoio, mas reforça: só a oração não vai adiantar, o bom-senso pede reforço na hidratação. "Somos orientadas a entregar também os pacotes de soro para melhorar a saúde. Mas ainda tem muita gente que só acredita na rezadeira e não quer levar o doente ao posto", afirma.

Trabalhando há mais de 50 anos com as mãos, Rosa teme o fim das rezadeiras, diz que uma outra geração não está sendo formada e que o saber tradicional estaria com legado comprometido. "Nós estamos ficando velhas e não estou vendo gente nova se interessar. O que mantem a tradição viva é a crença, é o fato das pessoas, mesmo com os médicos, ainda estarem com a gente. Mas ainda há perseguição e preconceito contra nós", relata.

Cultura

Para a coordenadora do Posto de Saúde Rebouças Macambira, Maria da Conceição de Angelo, a ideia de levar essas mulheres que trabalham com rezas para dentro da unidade foi algo bem natural. Segundo a gestora da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a presença delas é muito forte no bairro. Vez ou outra, as agentes de saúde narravam que um doente estava deixando de se consultar com um médico, apesar da gravidade da enfermidade, apostando apenas na fé.

"Estamos dialogando com a cultura e a tradição da comunidade. Sentimos que isto está melhorando, inclusive, a humanização e o relacionamento entre as partes. Esse intercâmbio de saberes está gerando bons efeitos", narra a coordenadora Conceição.

Conflitos

A contadora Débora da Rocha Marques, 26, moradora do bairro Ellery, conta que foi criada indo, quando criança, às rezadeiras. Hoje, em virtude da falta de tempo, deixou de frequentar os espaços, mas ainda vê isso muito forte na sua família, apesar da ´ditadura´ do tal saber médico.

"Acho o trabalho delas muito importante e deve sim ser mantido para as próximas gerações. O que me motivava a ir era a crendice que por sua vez dominava os mais idosos e passavam de geração em geração. E era a única solução que se usava, pois médico antigamente era muito caro e de difícil acesso. Mas, a opinião clínica hoje é bem mais aceita, apesar de eles nem sempre acertarem o diagnostico e não darem a devida atenção", finaliza.

PROTAGONISTA
"Antigamente a reza era a nossa única opção"
A dona-de-casa Valdenir Cardoso, 60, conta, com emoção, como criou os seus filhos. Todos, segundo ela, à base de lambedores caseiros, chás de boldo, emulsões de alfavaca, banhos de aroeira e eucalipto. Imaginem, então, os cheiros que exalavam na casa de Valdenir, erva pura!

Ela narra que a sua mãe, de 87, raramente procura um médico, diz não confiar muito no tal "doutô". Os remédios fariam mais mal do que bem ao corpo, de tão cheio de efeitos colaterais. Dona Valdenir lembra com saudade as batidas na porta da rezadeira em plena madrugada, agoniada pedindo ajuda. "Antigamente a reza era a nossa única opção".

Fonte: Diário do Nordeste

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