Proposta relativiza o direito de defesa e não apresenta soluções efetivas para questões relativas à segurança pública
Juristas apontaram inconstitucionalidades no conjunto de medidas batizado de "Lei Anticrime"
/ EVARISTO SA / AFP
/ EVARISTO SA / AFP
O ex-juiz e atual ministro de Justiça, Sérgio Moro, apresentou nesta segunda-feira (4), em Brasília, o chamado Pacote Anticrime. Caso aprovado, o anteprojeto legislativo formulado por ele pode aumentar as taxas de letalidade das polícias brasileiras. Essa é a avaliação de estudiosos do tema ouvidos pelo Brasil de Fato.
O projeto também abre a possibilidade da introdução do plea bargain no Brasil, um modelo que prevê acordos a portas fechadas entre o Ministério Público e o acusado, e restrições à progressão de regime, que prevê a possibilidade do detento mudar para um regime menos rígido após cumprir parte da pena tendo bom comportamento. O conjunto das medidas foi criticado por diversos juristas, que apontam inconstitucionalidades.
No “ponto IV” do anteprojeto, propõe-se a alteração do artigo 23 do Código Penal (que estipula as condições para que uma conduta que em geral é ilegal, seja considerada lícita), incluindo dois parágrafos. No segundo deles, estipula-se que “o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Assim, a proposta de Moro é que a legítima defesa excessiva nestes casos passe a ser legal.
Jacqueline Sinhoretto, integrante da diretoria do Ibccrim e professora da Ufscar, afirma que o anteprojeto – que caracteriza como “populista” – não apresenta nenhuma medida concreta para a resolução de questões importantes relativas à segurança pública e, na verdade, vai no sentido contrário de muitas delas.
“Se a legítima defesa for aplicada para a ação policial, isso vai exatamente na contramão da profissionalização das polícias. A polícia tem que ser bem treinada para administrar suas emoções nessas horas e não agir como cidadão comum. Isso é muito grave”, critica.
O texto proposto por Moro não elimina a necessidade de investigação em ações policiais que resultem em morte. No entanto, conhecendo a efetividade de tais investigações, usualmente conduzidas pelas próprias corporações, Sinhoretto defende que a busca pela eficiência de tais procedimentos deveria ser uma prioridade das ações governamentais e legislativas.
A proposta de Moro ainda altera o artigo 25 do Código Penal, para considerar legítima defesa o ataque cometido por "agente policial ou de segurança pública" praticado “em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado” ou quando “previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém”.
Para Sinhoretto, a mudança terá como efeito um incremento nas taxas de letalidade. Taxas essas que, segundo pesquisas, nunca voltam aos patamares anteriores quando acontecem reorientações na política criminal. A opinião é compartilhada por Pedro Brandão, doutor em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
“Boa parte [do anteprojeto] relativiza o direito de defesa, viola direitos fundamentais consagrados constitucionalmente. É um pacote de falsas soluções. Tem um efeito prático: de alguma forma é uma licença para matar para os agentes de segurança. Tem o efeito simbólico: deixar os agentes mais confortáveis para atuar à margem da Lei”, diz.
Brandão lembra que, conjugado com o decreto que amplia as possibilidades de posse de armas no país, essa medida específica do anteprojeto significará um aumento expressivo de casos de morte violenta, especialmente entre jovens negros.
Fonte: Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário