“Pesquisa divulgada nessa segunda-feira pelo Instituto de Política
Econômica Aplicada (Ipea), com base em denúncias apresentadas em 2013
pelo Ministério Público em todo o país, envolvendo delitos praticados
por maiores e menores de idade, mostra que os menores respondem por
menos de 10% do total de delitos. Nos crimes contra a vida, os menores
representam 8% de todas as representações por ato infracional feitas
pelo Ministério Público.
O economista Daniel Cerqueira, que divulgou o documento, participou
de seminário promovido pelo Ipea sobre a redução da maioridade penal, no
Rio de Janeiro, onde afirmou que a melhor estratégia para diminuir a
incidência de crimes é por meio da socialização do indivíduo, e não pela
punição. “Endurecer simplesmente as leis não funciona. O que funciona,
basicamente, é educação, é oportunidade para os jovens”.
A partir de dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e informações do Ministério da Saúde, o
Ipea avaliou se a mudança do estado de maioridade penal teria algum
efeito sobre homicídios no Brasil. “Não há nenhum indício disso aqui”.
Estudo feito pelo instituto apurou as consequências da existência no
Brasil de uma política abrangente de colocar no nível médio educacional
todas as pessoas com mais de 15 anos de idade. “O resultado é
substancial”, manifestou o economista.
Caso todas as pessoas no país tivessem, pelo menos, o ensino médio, a
taxa de homicídios cairia cerca de 42%, indicou. “O que os nossos
resultados mostram é que o caminho das oportunidades é pela educação”.
O exercício feito pelo Ipea pegou as características da população
brasileira e das vítimas de homicídios no país, como cor, nível
educacional, idade, local de residência. Foi feito um modelo
probabilístico para entender as variáveis determinantes que explicam a
probabilidade de a pessoa ser vítima de homicídio no Brasil.
A partir desse exercício econométrico, os pesquisadores do Ipea
criaram um cenário fictício para verificar qual seria a implicação de
uma possível mudança das características da população em relação à
escolaridade sobre os homicídios.
Maioridade penal
A técnica de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Enid Rocha Andrade da
Silva, autora de estudo anterior sobre a redução da maioridade penal,
divulgado em junho passado, defendeu a necessidade de se fortalecer a
legislação existente no país sobre o tratamento para menores infratores.
“Qualquer mudança deve ocorrer dentro dessa legislação”, disse.
Segundo ela, as mudanças que preveem aumentar o tempo de internação como
medida especial dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente são uma
opção melhor do que a Proposta de Emenda Constitucional 171/1993 que
“coloca os meninos no sistema prisional de adulto”. A PEC 171 altera o
artigo 228 da Constituição Federal e visa reduzir de 18 para 16 anos a
idade mínima para a responsabilização penal. Ela foi aprovada pela
Câmara dos Deputados e está no Senado para votação.
A pesquisa de junho do Ipea traça um retrato dos adolescentes que
estão privados de liberdade, o tipo de delito praticado, onde eles se
encontram no Brasil. “O que a gente viu é que o perfil do adolescente em
conflito com a lei é de exclusão social. São menores que vivem em
famílias muito pobres, com até um quarto de salário mínimo ‘per capita’
(por habitante) e quando cometeram o delito, eles não trabalhavam nem
estudavam, não haviam concluído o ensino fundamental”. Cerca de 70% dos
adolescentes tinham entre 16 e 18 anos de idade.
De acordo com a pesquisa, esse mundo tem predomínio masculino: quase
85% desses adolescentes são meninos. Quando cometeram o delito, esses
meninos e meninas usavam drogas, principalmente maconha e ‘crack’. Enid
informou que quando a pesquisa foi efetuada, em 2013, havia 23 mil
adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de privação de liberdade
no país, que são as medidas em meio fechado, englobando internação,
semiliberdade ou medida provisória em que eles ficam apreendidos por 45
dias.
A maior parte dos 23 mil adolescentes abrangidos pela pesquisa, ou o
correspondente a 75% do total, estavam concentrados nas regiões Sudeste e
Nordeste. A maior parte dos delitos praticados envolvia fruto, roubo e
ligação com o tráfico. Apenas 14%, ou 3,2 mil, haviam cometido delitos
contra a vida, que são homicídio, estupro e lesão corporal.
Na nota técnica, o Ipea criticou o mito da impunidade e mostrou que o
Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prever as medidas de
internação, destaca que a medida mais severa, que é a internação, deve
ser aplicada somente em flagrante delito e de crimes que atentam contra a
vida. “Se a gente fosse seguir essa recomendação do estatuto, não teria
esses 23 mil adolescentes privados de liberdade, cumprindo a medida
mais severa e, sim, aqueles 14% que cometeram delitos que atentam contra
a vida”, argumentou a pesquisadora.
A pesquisa aponta ainda que, dentro do sistema único de assistência
social, por exemplo, está sendo estruturado um caminho novo, já com
avanços em vários municípios, que é a medida socioeducativa em meio
aberto englobando a prestação de serviços para a comunidade e a
liberdade assistida. Enid Rocha considerou que esse é um caminho para
que o Judiciário aplicasse mais medidas em meio aberto para os delitos
que não justificassem internação ou privação de liberdade.
Racismo e encarceramento
O historiador Fransergio Goulart, do Movimento contra a Redução da Maioridade Penal, disse àAgência Brasil que
a proposta de redução da maioridade penal é uma ação que potencializa a
questão do racismo e o encarceramento da população negra e pobre do
país
Goulart disse que foi retomado um trabalho de rodas de conversa e
ocupação de espaços públicos nas favelas e periferias com o objetivo de
informar a população e mobilizar as pessoas na luta contra a aprovação
da PEC 171. “A gente está fazendo um trabalho de divulgar para a
população, embora tardiamente”, manifestou. O movimento está monitorando
e acompanhando o processo no Senado que, por enquanto, parece ser
positivo para os militantes. Recentes levantamentos indicam que entre
65% e 70% dos senadores se mostram contrários à redução da maioridade
penal, informou Goulart.
Para Goulart, a única saída é o Supremo Tribunal Federal (STF), cuja
composição hoje mostra que a maioria dos ministros já escreveu textos
com posições contrárias à proposta de redução da maioridade penal. “A
gente tem uma avaliação bem positiva disso”. Acrescentou que a redução é
uma das agendas do movimento que pretende dar seguimento ao diálogo com
o povo, ocupando espaços públicos nas ruas. Goulart salientou que a
redução da maioridade penal não resolve os problemas de violência e de
insegurança no país. “De maneira nenhuma”.
Arrastões
A respeito dos arrastões registrados durante o fim de semana, na zona
sul do Rio de Janeiro, o economista do Ipea, Daniel Cerqueira, apoiou a
Defensoria Pública que determinou à polícia a apreensão de menores
somente em caso de flagrante. “A gente tem que aprender no Brasil a
cumprir a lei e a lei diz que a gente não pode simplesmente discriminar
as pessoas por raça, por credo ou por ‘status’ socioeconômico e levá-las
à delegacia a não ser que tenha alguma evidência de que algo
aconteceu”,
Cerqueira advertiu que isso não impede que sejam feitas revistas em
ônibus e um processo natural de apuração dos fatos. Não se pode,
acrescentou, colocar a culpa na polícia pelos problemas sociais que
estão ocorrendo no país. “A polícia tem que atuar, a Justiça tem que
atuar, mas tudo com muita calma e dentro da lei”.
Sobre a PEC 171, Cerqueira disse que pelos cálculos do Ipea e pelas
evidências em outros países e no próprio Brasil, a redução da maioridade
penal não teria nenhum efeito. O único efeito, enfatizou, é capitalizar
os votos de parlamentares que defendem essa bandeira. “Em termos
práticos, não tem nenhum efeito”.
(Agência Brasil)
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